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As raízes do Samba Santista

 

Desde a época da Monarquia Portuguesa que o batuque africano já ecoava pelas terras santistas, trazido pelos escravos que percutiam seus tambores nos momentos de folga, a exemplo do que ocorria em outras regiões brasileira. Por conseguinte, os folguedos de puro sabor africano floresceram por todos os redutos e cercanias da antiga Vila de Santos (engenho de cana de açúcar, quilombos e sítios), inclusive nas festividades públicas, onde a presença do negro era indispensável devido o seu aspecto folclórico.

 

A partir de meados do século XVIII, a cidade passou a contar com refúgio de escravos, chefiado pelo Pai Felipe (descendente de uma soba africano), onde imperava um batuque desenfreado. O quilombo ficava nas imediações da fonte da Vila Mathias (sopé Do  morro) e, com o correr do tempo Pai Felipe,  “ O Rei Batuqueiro”, foi apontado como precursor do Samba Santista.

 

O Monte Serrat também serviu de cenário para um diversão do folclore negro, envolvendo os batuqueiros da cidade nas rodas do samba-pesado, onde os participantes mostravam destreza com o gingar do corpo e com as pernas. Durante muito tempo, principalmente na década de 40 e 50, as embaixadas do batuque pesado marcavam presença no alto do morro durante as festas consagradas à padroeira, todavia, os festivo arraial das batucadas, envolvendo as maiorais da pernada (como o inesquecível Daniel Feijoada), através de acirradas disputas, desapareceu na poeira do tempo.

 

Outro divertimento popular que marcou época em Santos fopi a gafieira, quando os Bambas e Cabrochas mostravam suas qualidades de exímios bailarinos. A exemplo das batucadas, o samba-de-gafieira, com todo o seu clima folclórico, desapareceu com a evolução do tempo, cujo modernismo acabou distorcendo totalmente os folguedos populares de outrora.

 

Assim como o ocorreu no Rio de Janeiro, as escolas de samba não foram bem aceitas de início e que além dos preconceitos da época, contavam igualmente com o desprezo de certas camadas da sociedade, uma vez que eram apontadas como coisa de negros e desordeiros, como “escola de malandragem, “reduto de negralhada”  e outras comparações maldosas.

 

Oriundas de uma classe menos favorecidas da população, as primeiras escolas foram vítimas de hostilidades por parte de pessoas arrogantes, sofrendo, inclusive, perseguição policial, tal como acontecia na antiga Capital Federal.

 

Foi em 1933c que apareceu a primeira agremiação com características de escola de samba. Era o Arrasta a Sandália, das tias Euclydia e Lydioneta, que promovia rodas-de-samba e desfilava em forma de cortejo no Carnaval, não passava de uma escola de samba, ou melhor, de um rancho-escola.

 

Em fins daquela década, surgiu a Escola de Samba Não é o Que dizem, a primeira que se ouviu falar na cidade e na década seguinte, apesar da guerra, despontaram outras escolas na seguinte ordem: Dois Pinguins, da Vila Mathias (1940); Número Um do Canal 3; Ilha Maldita (1941); Aí vem a Favela, do Campo Grande (1942) e Xisnove, da Bacia do Macuco (1944), sob o comando do Mestre Manezinho.

 

Foi com dificuldade que as escolas pioneiras atravessaram os anos de guerra (1940 – 1945), na chamada “fase da resistência”, devido aos obstáculos que tiveram de superar. Das pioneiras, somente restou a Xisnove, atualmente com 60 anos.

 

Após a guerra surgiram outras agremiações de samba: Vila Liberdade, do Maçudo e Vitória, da Bacia do Macuco (1946); Só Brinca quem pode, do Golfo e Ases do Campo Grande (1947); Sereias da Vila Mathias (1948) Estrela Azul; Tempestade de Ritmos, do Boqueirão (1949) e Brasil, da Bacia do Macuco, que debutou no carnaval de 1950, liderada pelo Cabo Laurindo.

 

No inicio as escolas não passam de simples agrupamento de samba e desfilavam pelas ruas da Cidade sem participar de concurso. Os Blocos, choros, ranchos e cordões é que predominavam no Carnaval e participavam dos concursos nas batalhas de confete realizadas no Centro da cidade, nos bairros e na orla da praia. Por esse tempo, as agremiações de samba eram constituídas, na sua maioria, por crioulos e mestiços, que, a despeito dos preconceitos e adversidades, constituíam uma espécie de elite do samba, com seus batuqueiros e cabrochas natos.

 

Convém assinalar que, em 1947, surgia um outro rancho carnavalesco, com características de escola, o Novo Horizonte, integrado por crioulos-da-pesada (na base da batucada) e que marcou época devido, cabrochas e batuqueiros, tendo à frente o mestre Domingos.

 

Não poderíamos deixar de mencionar duas escolas de samba que despontaram em meados de 50 e que também participaram da luta pela integração definitiva nas hostes momísticas da Cidade: Príncipes Negros da Areia Branca (do mestre Carioca e tia Leontina) e a Império do Samba, sob a batuta do incansável cabo Brilhantina.

 

Analisando o aspecto sociológico e folclórico das antigas escolas, é sabido que elas contavam baixas da população: trabalhadores braçais, empregadas domésticas, malandros e outros tipos populares, todos enquadrados na severa disciplina imposta na época.

 

Relegadas a um plano inferior, as escolas de samba somente tiveram oportunidade de disputa a partir de 1947, quando participaram de um concurso numa batalha de confete pré-carnavalesca promovida pelos comerciantes da rua General Câmara, seguida de outras no tríduo momesco. Isso graças ao eficiente apoio das autoridades, jornais, emissoras de rádio, empresários do comércio, clube e foliões, que promoviam monumentais batalhas de confete nas ruas centrais e nos bairros, contando com o afluxo e com os aplausos do povo.

 

Naqueles tempos não havia subvenção, transporte e outras regalias. Para colocar uma escola na rua era movimentado um livro de ouro nos meses que antecediam ao Carnaval, visando arrecadar donativos. Os componentes pagavam rececibo e às vezes a escola recebia ajuda de algum patrono através de uma boa soma o de tecidos para as fantasias. Tudo era simples e ingênuo. Folclórico mesmo.

 

Além dos ensaios, também eram realizadas passeatas pelas ruas dos bairros e circunvizinhanças, chegando a pé ao Centro da Cidade para uma visita obrigatória aos órgãos de imprensa (A Tribuna e O diário), ocasião em que o público depositava dinheiro nas taças carregadas por alguns componentes, cuja quantia arrecada ajudava nas despesas do Carnaval. As primeiras escolas de samba  desfilavam em forma de cortejo, com batedores a frente, balisas, porta-estandarte, baianas, pastoras, alas (em fila indiana), corte do samba (destaque), cantor e bateria na retaguarda. As alegorias portáteis (caramanchões, flabelos, pálios) e outros objetos eram confeccionados pelos artesões populares da comunidade da escola. Também contavam com as costureiras que davam suas contribuições, sem visar o vil metal, tudo por amor a sua agremiação, ao seu bairro e ao próprio Carnaval. O pagamento era a satisfação de ver a sua agremiação brilhar no tríduo momesco.

 

Um fato importante: foi a partir de 1948 que o samba santista passou a ser conhecido em São Paulo, através da Xisnove, primeira agremiação da Baixada Santista a disputar e a vencer concurso carnavalesco na capital. Embora sendo alvo de certas ironias, uma vez que determinadas pessoas torciam o nariz quando chegava (“ ...Chiiii!!!!... Lá vem aquela negrada!...”), as escolas não se intimidavam e prosseguiram na luta, ampliando seus domínios, ganhando com o passar do tempo a merecida projeção no cenário carnavalesco da cidade.

 

Até então, não era fácil ingressar numa escola de samba, uma vez que os novatos (calouros), tinham que passar por uma rigorosa prova de fogo e quem não fosse aprovado com louvor não saía. Somente quem era bom mesmo é que formava na bateria ou no corpo de balizas. Além dos negros e mestiços, os brnaocs também tinham que mostrar seu valor num teste de honra e provar que eram brancos negreiros, que na gíria da época queria dizer que eram bons de samba como os negros. Uma inversão do branco intruso ou sambeiro, que não sabia cantar, danças e muito menos batucar. O mestre alemão, da X-9, que começou batucando naquela época, é um exemplo de dedicação e amor ao samba.

 

Cabe-nos destacar ainda que a primeira escola de samba-mirim da cidade foi a Quem disse Que a Escola Não Saia?, do Paquetá, que desfilou nos carnavais de 1956 a 1959.

 

Extraordinário foi, sem dúvida, o desenvolvimento das escolas de samba ao longo dos anos. Todavia, em contato com novas normas de desfiles foram se descaracterizando e o que restou do folclore foi contaminado com o contágio direto devido a infiltração de pessoas estranhas ao seu meio. De lá para cá, os últimos fragmentos entraram em vias de extinção, conforme fora previsto anteriormente.

 

Restaram poucos sambista que conseguiram sobreviver através dos anos e decênios, sempre fiéis às suas agremiações de origem como verdadeiros baluartes: cabo roque. Tia Lourdes e cabo Alemão (ES X-9), Tia Isaurinha, cabo Vadico e cabo Olívio (ES Brasil); cabo Brilhantina (Império do Samba) e outros, remanescentes de uma época em que as escolas de samba não apresentavam apenas o que o samba tinha de genuíno e folclórico, ligado às suas origens negras.

J. Muniz Jr.

 

Publicado no Jornal A Tribuna de 08/04/1983

 

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