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Prefácio

Livro Panorama do Samba Santista

 

Agradeço-lhe o privilégio de ter percorrido, ainda no original, as paisagens do seu "Panorama do Samba Santista".

 

A respeito do samba e, especialmente, de samba nas escolas, a última cousa que li foi o livro do Sérgio Cabral, publicado em 1974, e que chegou a Santos somente em 1975. Mas toda aquela pesquisa foi dirigida às Escolas de Samba do Rio de Janeiro, onde inegavelmente são criadas e ditadas as leis para as demais do País.

 

Surge, agora, o seu livro.

 

Vê-se, de imediato, que é fruto de laboriosa pesquisa e resultado de muita consulta à fidelidade da sua e da memória de numerosos sambista. Mas, sobretudo, prova indiscutível de seu amor ao samba. Pela leitura do texto e pela relação da bibliografia apresentada no final do volume, verifica-se que você andou lendo muito para escrever. Mas, para mim, isto é o de menos. O importante mesmo é você Ter se encerrado em salas esmiuçado notícias perdidas em folhas amarelecidas de jornais e de revistas antigos. O que é digno de aplauso é v. Ter subido morros enfurnando-se em bibocas à procura de informações sobre uma Escola, sobre um desfile, sobre qualquer episódio a respeito do qual dúvidas se levantaram. E o trabalho de ir colecionando fatos, comparando datas, checando informações, anotando, corrigindo e refazendo tudo, com a preocupação de bem informar, - isto é que demonstra sua pertinácia jornalística, seu amor ao samba e à história das festas de nossa terra..

 

Bandeira Junior, há muito tempo, publicou um esboço de histórias do carnaval santista. Ao que parece, virá à luz em forma de livro neste início de 1976.

 

Eis agora, o seu "Panorama", - caro Muniz.

 

Tenho de manifestar-lhe minha admiração por seu esforço de pesquisador. As informações que produz sobre os primeiros redutos do samba na cidade são muito preciosas.

 

Para mim, é notável o capítulo em que estuda a figura do "PAI FELIPE", preto retinto, batuqueiro, senhor do terreiro, filho de rei africano, reunindo em torno de si uma legião de negros amarrados ao batuque cadenciado nos seus domínios, nas faldas do Monte Serrat, e inflamados no mesmo amor à liberdade.

 

"PAI FELIPE" é tão intimamente ligado aos negros cativos e às lutas da abolição, tão entranhado na história dos primeiros tempos do samba na Baixada Santista, que me admira muito não tenham a "Brasil", a "X-Nove" ou a "Império", aproveitado ainda a sua figura lendária para compor, em torno dela, o tema de uma desfile, no Carnaval, e pôr na boca do povo um samba-enredo lindo de morrer, onde até o estribilho está prontinho, como você o apresenta:

 

"O - lê - lê  

 

O - lá - lá  

 

Pai Felipe mandou batuca"

 

Depois de Ter me delicado com a leitura deste capítulo, comecei a recompor a rosa desfolhada da minha infância aqui em Santos, e me perguntei de onde viria aquela expressão "AGÜENTA, FELIPE!" que os garotos do meu tempo proferiam, quando estavam diante de qualquer dificuldade e tinham de enfrentar e vencer um adversário, suportando ataques com denodo, coragem e sacrifício. Estou a admitir que, talvez, essa expressão tenha sua raiz no tempo em que o velho "Pai Felipe" arcava com o peso da responsabilidade das empresas dos negros do seu terreiro. Mas isso é mera hipótese. Que alguém, mas capacitado, investigue e informe com segurança.

 

Por outro lado, merece menção especial, também, a evocação das festas antigas em louvor a Nossa Senhora do Monte Serrat, pela fidelidade com que são lembradas as rodas de samba que lá se formavam. Em tempos idos, quando já haviam se aquietados os bambas e valentes, extintas as rodas com as "puxadas" e capoeiras, ainda pode apreciar, nos abrigos da subida do morro, grupos de "chorões", com seus cavaquinhos, pandeiros, flautas e violões, deliciando o povo com choros e valsas.

 

De par com esses registros, que foram cuidadosamente elaborados à luz dos livros de histórias, documentos, jornais antigos, revistas e complementados pelo depoimento oral dos que ainda resistem ao tempo é, merecedora dos maiores aplausos a sua contribuição para reconstituição da história do nascimento das Escolas de Samba da Baixada Santista. Através do seu livro, poder-se-á saber, amanhã ou depois, como e quando Escola foi campeã, em que carnaval, e quantos campeonatos foram colecionados pela entidade. Mais: os campeonatos santistas não foram disputados em carnavais seguidos. Houve outros campeonatos intercalados, com o patrocínio da Secretaria de turismo do Estado, e competições outras, fora da cidade, sem interferência da Secretaria de turismo da Municipalidade Santista. Pois o seu livro com cuidado e minuciosa busca, foi deslindando todas as dúvidas e procurou fixar a verdade, de forma definitiva.

 

Sei que poderão surgir contestações ou controvérsias, que nisso de Campeonatos de Escolas de Samba as pendengas são eternas e nuca a pomba da paz arrulha serena sobre as bandeiras coloridas.

 

V., que tem sido um grande incentivador das Escolas de Samba da Baixada Santista, fez muito bem, em realçar o cuidado e dedicação com que o dia do samba (2 de dezembro), ano após ano, vem sendo comemorado em Santos. Aliás, - diga-se de passagem, essas comemorações datam de 1963, no ano seguinte à instituição do dia do samba, em 1962. As festas que a X-9 vem celebrando primeiramente sòzinha, e depois acompanhada por todas as escolas, inclusive com a vida de figuras eminentes do mundo do samba, do Rio de Janeiro e de S. Paulo, com o apoio da SECTUR. - mereciam a referência especial que v. lhe dedicou em seu livro.

 

Importante, também, ficar registrado que, com o patrocínio da SECTUR, Santos foi a cidade que realizou o I e II SIMPÓSIO DO SAMBA. E v., que foi um dos seus idealizadores e participantes ativo de todas as solenidades, com o infatigável Olao Rodrigues, pôde registrar o entusiasmo das delegações de todo o Brasil que para aqui se dirigiram, discutindo, propondo, contestando, argumentando, tudo com o objetivo de melhor servir ao samba em geral e, particular, às Escolas de Samba.

 

Vieram, depois, o FESAMBA, os carnavais já erigidos em atração turísticas, a participação das Escolas da Baixada nas comemorações cívicas, lembrando datas, celebrando vultos das História, revivendo episódios que merecem ficar registrados em livros, para não se perderem sob a poeira do tempo.

 

De par com o registro dos fundadores e dirigentes das Escolas, a cujo idealismo e sacrifício tanto deve o carnaval da Baixada, consignado em minha homenagem a todos eles, quero lembrar uma iniciativa da cidade, no que diz respeito aos sambas de desfile.

 

Discute-se, há algum tempo, no Rio, se devem continuar os sambas de enredo descritivo, quilométricos, difíceis de serem memorizados pelo povo, ou se cabe modificar-se essa tradição. Em lugar de sambas longos com minúcias que poderiam ser postas de lado sem prejuízo da beleza da música, surgiram em desfiles samba que, em vez de esmiuçarem o enredo, adotavam-no como tema. O enredo se desenvolvia através dos elementos outros do desfile, alegorias, coreografia, fantasia, destaques, etc... A música do desfile era um "samba-tema", em oposição ao tradicional "samba-enredo". No Rio, foi o caso de "I-Lua-yê" e "Pinzindim", ambos da Portela, e "Lendas do Abaeté", da Mangueira, apenas para exemplificar. Foram três sambas curtos, com impacto, facilmente decorados pelo povo.

 

Essa inovação, se a considerarmos assim, foi inaugurada no carnaval santista, já em 1963, através da Campeoníssima Brasil, com o enredo "Exaltação à Bahia" contado nas ruas o samba tema que até hoje [e conhecido através do seu verso: "Jorge Amado escreveu...". Era um samba vibrante, curtinho, com doze versos, que o povo imediatamente aprendeu no desfile e cantou, no Boqueirão, fazendo tremerem as paredes de concreto dos arranha-céus. Inovador e pequenino, o samba santista foi levado na raça pela Escola de Samba Brasil, vencendo o Carnaval, "engolindo" a Império do Samba, que se lançara à passarela, sob o comando sempre inflamado de Dráuzio, com o enredo lembrando "Chico Viola" e com um samba que viera prontinho do Rio de Janeiro...

 

Também já está se esboçando aqui em Santos um movimento contra esse ritmo acelerado, verdadeira "maratona", que vem sendo imprimido no andamento do samba-enredo, no desfile. Verdadeira "corrida", o samba adquire uma velocidade alucinante, que prejudica a exibição do passista, fazendo desaparecer o "balanço" do samba e roubando-lhe um elemento de grande beleza. Basta que aprecie, à distância, a evolução de uma escola dentro de um princípio de marcha acelerada e, nunca, na cadência ou balanço do samba.

 

A reação está apenas esboçada em Santos. Mas é o Rio quem dá as leis, nessa matéria. Será que por lá as coisas estão pacíficas, nesse setor ?

 

O momento de emoção de seu livro, Muniz, é o em que presta homenagem à figura da "Tia Inês", madrinha da Escola de Samba X-9, desaparecida nos primeiros dias de 1976.

 

Quem a conheceu em vida, pôde avaliar a sua capacidade de liderança, a sua autoridade tranqüila e indiscutida no comando da escola, que contou sempre com a sua vigilante dedicação.

 

O ritual de despedida que foi por v. orientado, causou profunda emoção a quantos estiveram presentes e demonstrou quão eram os laços de amizade que se rompiam naquele momento de adeus. O seu livro registra e dá permanência a episódios que, de outra forma, ficariam perdidos nas folhas dos jornais, esmaecendo-se com o tempo na memória do povo.

 

Com esta contribuição à montanha de informações que v. apresenta em seu livro, fruto de acurada pesquisa e imensa dedicação ao samba das Escolas, resta esperar que v. encontre logo uma editora que pretenda servir ao Carnaval Santista, ou então que a própria SECTUR tome a si a iniciativa de publicar o seu "Panorama" que é trabalho de amor às coisas da cidade, e sobretudo, fotografia de um trecho da história do carnaval santista.

 

Nestes tempos em que o Governo está utilizando a MPB para contar as cousas boas que anda fazendo, é bom que se cultue o samba, pois ele é brasileiro.

 

E, no coração do povo, é o que fala mais alto. É o que fala primeiro.

 

Com os meus parabéns, o meu abraço, Muniz.

 

Santos, agosto de 1975

José Derosse de Oliveira

Cidadão Samba

 

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